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sexta-feira, 9 de julho de 2010

A Matemática e a Música

A Matemática na Música

Introdução


A teoria e a composição musical requerem uma forma de abstração do pensamento e de contemplação muito semelhante ao pensamento matemático puro. A Música faz uso de linguagens simbólicas com notações elaboradas e diagramas que, freqüentemente, são muito semelhantes aos gráficos de funções discretas representadas em eixos cartesianos de duas dimensões - o eixo das abscissas representa o tempo e o eixo das ordenadas representa a altura tonal. Músicos teóricos usaram diagramas semelhantes aos cartesianos muitos antes destes terem sido introduzidos na geometria. As pautas musicais do séc. XII apresentavam-se numa variedade de formas bastante análogas aos diversos tipos de diagramas utilizados em Matemática. Além das linguagens abstratas e notações utilizadas, noções matemáticas como simetria, periodicidade, proporção, discriminação, continuidade e sucessão, entre outras, estão presentes na Música, enquanto que conceitos como intervalo, ritmo, tempo, entre outros, são freqüentemente traduzidos por números.

Se por um lado se constata que a linguagem matemática e as idéias matemáticas contribuem para dar forma aos conceitos e linguagens da teoria musical [1], por outro lado, se observa também que questões e problemas que surgiram na teoria musical ao longo dos tempos, muitas vezes desencadearam fortes motivações para a investigação na área da Matemática (e Física). É consensual também que músicos teóricos usaram noções, que se consideram, matemáticas de forma intuitiva, antes de tais noções estarem tratadas sob o ponto de vista matemático.

A relação entre Matemática e Música é uma relação ancestral e terá começado com Pitágoras, quando este descobriu as proporções relacionadas com os intervalos de oitava, os intervalos de quinta e os intervalos de quarta. Para os Gregos esta relação era tão óbvia, que as escolas de Pitágoras, Platão e Aristóteles consideravam a Música como uma parte integrante da Matemática, que em conjunto com a Aritmética, Geometria e a Astronomia formavam o quadrivium – as “quatro vias”, divisão da Matemática em quatro secções, formato geralmente presente em qualquer tratado matemático, no início da nossa era, que posteriormente foi adotado como pré-requisito para o estudo da Filosofia, que perdurou até ao fim da idade média. Com o Renascimento, a teoria musical tornou-se uma área independente, mas as ligações foram mantidas e até se tornaram mais óbvias. A Matemática mostrou-se indispensável para o evoluir da Música em vários aspectos: na construção de sistemas musicais que determinam os sons que ouvimos, na fundamentação teórica de processos de análise e composição musical, nos aspectos que estão relacionados com a Acústica, e mais recentemente, na música digital e na síntese de som, entre outros.

Neste trabalho serão abordados apenas alguns aspectos que evidenciam a forma como Música e Matemática se relacionam. A bibliografia contém algumas referências que porventura enriquecerão a compreensão deste assunto.


Nota:

[1] - Alguns músicos chegam a utilizar a Matemática de forma assumida: Milton Babbit utiliza teoria de grupos e teoria de conjuntos no ensino e na composição musical; Olivier Messiaen recorre a “permutações simétricas”; algumas peças de Iannis Xenakis baseiam-se na teoria do jogo e na teoria das probabilidades.


Matemática na Música

Capítulo 1 - No princípio era o som ...


Na antiguidade foram várias as civilizações que realizaram experiências no campo da acústica. A mais bem sucedida foi a civilização Grega que, por intermédio dos Pitagóricos [1], conseguiu relacionar a acústica com a aritmética. Para tal, muito terá contribuído o papel de relevo desempenhado pela música nas cerimônias gregas assim como os instrumentos por eles utilizados: instrumentos de cordas, sobretudo a cítara, ligados ao culto de Apolo; e os de sopro, sobretudo a flauta, ligados ao culto de Dionísio. Tais instrumentos terão sido bastante sugestivos aos Pitagóricos, pois tanto a cítara, com as suas cordas vibrantes, como a flauta, com os seus furos alinhados e regularmente espaçados, se prestam a observações que associam a acústica à aritmética.

Pensa-se que as experiências acústicas realizadas pelos Pitagóricos tenham passado pela utilização de um instrumento chamado monocórdio, que consiste numa régua a cujas extremidades está preso um fio tenso, ao longo da qual desliza um cavalete que possibilita fazer vibrar qualquer porção da corda. Com este instrumento, os Pitagóricos terão observado que os sons obtidos da corda inteira e da sua metade estão numa relação à qual o ouvido humano é muito sensível – o que se denomina por consonância [2] – a qual corresponde ao intervalo de oitava. Terão descoberto também outras consonâncias: o intervalo de quinta, que corresponde à relação entre os sons associados à corda inteira e a duas terças partes da corda; e o intervalo de quarta que corresponde à relação entre os sons obtidos a partir da corda inteira e de três quartas partes da corda.

Os Pitagóricos ter-se-ão apercebido desde logo que as consonâncias não dependiam do comprimento da corda solta do monocórdio, mas sim da relação entre os comprimentos dos sons. Tal fato terá levado os Pitagóricos a marcar onze traços sobre a régua, dividindo assim a corda em doze partes iguais, o que seria conveniente devido ao número de divisores que doze possui. A este sucessor do monocórdio dá-se o nome de cânon. Os traços do cânon são numerados de um a onze, o doze representa uma das

fig. 1.1: esquema do monocórdio

extremidades. Esta idéia simples de associar um número a um som, terá permitido aos Pitagóricos chegar a conclusões que seriam menos óbvias no monocórdio, através de experiências análogas. Assim, terão constatado que consonâncias equivalentes eram obtidas através dos intervalos entre os sons correspondentes ao traço 12 e ao traço 6, ao traço 10 e ao traço 5, ao traço 8 e ao traço 4, ao traço 6 e ao traço 3, ao traço 4 e ao traço 2, ao traço 2 e ao traço 1. Tal acontece, pois o intervalo entre os pares de sons é sempre a oitava. Os gregos observaram então que esta consonância podia ser representada por qualquer um daqueles pares ordenados de números. A mesma idéia terá sido usada para associar o 12 ao 8, o 9 ao 6, o 6 ao 4, o 3 ao 2, aos quais está associado o intervalo de quinta, que poderia ser representado por qualquer um deles. E de igual forma ter-se-ão apercebido da equivalência acústica que representavam os pares (12,9), (8,6), (4,3), que estão associados ao intervalo de quarta. Assim, do ponto de vista aritmético, inacessível ainda aos gregos, as consonâncias sugerem que .

Estas relações entre diferentes comprimentos associados à mesma consonância, terão sido atentamente analisadas pelos Pitagóricos, permitindo-lhes projetar esta idéia de equivalência para números superiores a 12.

A noção aritmética correspondente à equivalência acústica determinada pelos comprimentos das cordas é, então, a noção de proporcionalidade. Uma proporção pode ser interpretada como uma relação entre duas razões. Pode parecer estranho que tenham sido as consonâncias que tenham sugerido aos gregos que o 12 está relacionado com o 9, da mesma forma que 8 está relacionado com o 6, e que não se apercebessem disso duma forma mais direta como é aquela que usamos na atualidade. Tal devia-se ao fato de na Grécia antiga as razões entre números naturais não ser encarada como é atualmente, uma fração que representa um número racional positivo, assim como uma proporcionalidade de quatro números naturais, atualmente, não é mais do que a expressão duma certa equivalência entre duas frações que representam o mesmo número natural. Para os gregos, as razões de números naturais constituíam um novo conjunto de entes matemáticos separado do conjunto numérico (ou de grandezas) que lhes deu origem. Dito de outra forma, os gregos nunca interpretaram o novo conjunto, ou um conjunto quociente dele, como uma extensão do universo numérico de partida.

Os gregos terão conseguido operar com alguns elementos deste conjunto, por intermédio do cânon. Suponhamos que se produzem três sons consonantes, em que o segundo está uma quarta acima do primeiro, e o terceiro está uma quinta acima do segundo. Estes sons podem ser obtidos, por exemplo, vibrando a corda do cânon no traço 12, que corresponde à corda solta, de seguida no traço 9 e depois no traço 6. Tendo em conta que o terceiro som está uma oitava acima do primeiro som, os Pitagóricos terão concluído que compondo a quarta com a quinta obteriam a oitava, o que aritmeticamente significa . De igual forma, partindo de três sons consonantes de modo a que o segundo se situe uma quinta acima do primeiro, e o terceiro uma quarta acima do segundo, os gregos terão “sentido” que .

Os Pitagóricos conseguiram, portanto, uma simbiose entre acústica e aritmética. Por um lado, a acústica proporcionou avanços no campo da Teoria das Proporções, e a aritmética revelou uma nova visão acerca dos segredos das consonâncias. Esta interpretação da acústica por intermédio da aritmética terá contribuído fortemente para a consolidação da crença central na filosofia pitagórica: tudo é número. Os Pitagóricos acreditavam que tudo podia ser explicado através de relações entre números naturais. A descoberta de leis aritméticas da música – que aparentemente, nada estava mais longe de ser relacionado com os números do que os sons musicais – representou uma grande vitória intelectual e uma forte motivação para se tentar explicar o universo através de relações entre números naturais.


Notas:

[1] - O romano Boethius (VI d.C.) relatou que a idéia de associar a aritmética à acústica terá surgido a Pitágoras, quando este ao passar por uma serralharia se deu conta que os sons provenientes de cinco martelos a bater na bigorna quase constituíam um motivo musical. Pitágoras pesou os cinco martelos e constatou que quatro deles estavam nas razões dos números 12, 9, 8, e 6. Como o peso do quinto martelo não estabelecia uma razão simples com os outros, Pitágoras pediu aos ferreiros que alternassem entre si os quatro martelos, concluindo assim que o motivo musical se acentuou e que não dependia da força dos ferreiros, mas apenas das razões entre os pesos dos martelos.

[2]O motivo subjacente às consonâncias representarem relações fortes para o ouvido é abordado no Apêndice.


2 comentários:

  1. poruqe a simagens não abrem?

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  2. As imagens não abrem porque elas foram clonadas de outro site (de onde o texto foi retirado sem citar o crédito) e este site bloqueou o acesso.

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